A propósito das palavras sábias do escritor Miguel Torga, vertidas no poema sublime de seu nome “ Bucólica “, escrito em 30 de Abril de 1937 e publicado em “Diário I”, Coimbra, 1941, destaco o primeiro verso do mesmo: “A vida é feita de nadas”.
Numa interpretação imediata, o vocábulo “nada” poderá ser associado ao vazio, ao que não existe. Porém, o poeta atribuiu-lhe outro significado – a vida é recheada de coisas vulgares, por vezes insignificantes, mas com muito valor.
De facto, na nossa vida é fundamental prestarmos mais atenção a essas situações simples, todavia enriquecedoras para a nossa existência. Para isso é necessário que paremos um pouco, que nos esqueçamos, de quando a quando, do frenesim diário e atentemos em circunstâncias do nosso quotidiano, às quais, nem sempre, lhes damos esse devido valor – ter uma família e amigos do coração, dar um passeio matinal numa manhã soalheira, ouvir o som dos passarinhos, apreciar o nascer ou o pôr-do-sol, escutar a nossa música preferida, observar o sorriso de uma criança, ler um livro, cuidar das plantas ou espreitar o céu repleto de estrelas. É indiscutível que ao ver-se as coisas com sentimento, estas tornam-se maravilhosas, únicas, suportam e dão sentido à nossa vida.
Curiosamente, o envelhecimento aliado à experiência da vida traz-nos a capacidade de observar, de forma mais serena, para o que nos rodeia, ensina-nos a refugiarmo-nos em pequenos atos diários que nos ajudam a refrear a passagem irreversível do tempo e que nos permitem enfrentar (às vezes) os dias cinzentos com mais confiança. Todos sabemos que, infelizmente, surgem situações e acontecimentos que perturbam a quietude e sossego da nossa alma, que põem em causa as nossas convicções e perturbam o lado emocional, mas é, nesses momentos, que nos devemos agarrar aos pequenos instantes da vida que nos fizeram ou fazem felizes. Para tal, basta fazermos uma retrospetiva do que já vivemos; percebemos rapidamente que a nossa existência integra episódios, imagens, vozes de pessoas que amamos dizerem que estão bem (e que nos amam), objetos, minutos, dias, anos, livros, caminhos marcantes…
Deste modo, é essencial ao ser humano, para manter o seu equilíbrio, fazer uma pausa, refletir sobre o seu percurso de vida, não pensar tanto em grandiosidades e focar-se mais nos simples gestos, pois são eles o ponto de partida para as grandes obras. Certamente que se fizermos bem as pequenas tarefas diárias, sentir-nos-emos mais realizados e estaremos melhor preparados para os desafios previsíveis ou inesperados que nos surgem.
Por conseguinte, saibamos valorizar as reflexões de dois escritores famosos: “Aprendi que são os pequenos acontecimentos diários que tornam a vida espetacular.“ – William Shakespeare e “ Muitas pessoas perdem as pequenas alegrias, enquanto aguardam a grande felicidade” – Pearl S. Buck.
Sejam felizes. Votos de boas férias.
Prof. Carlos Campos